Mensagem de Manuel Heitor

Vinte cinco anos após a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia em Portugal por António Guterres, sob a liderança de José Mariano Gago, podemos hoje afirmar que a aposta no conhecimento tem de ser o nosso compromisso para o futuro e requer instituições científicas fortes, autónomas e abertas à formação, ao emprego científico, à criatividade e às novas fronteiras do conhecimento, de modo a fazermos face aos novos desafios societais, financeiros e culturais que emergem em Portugal e na Europa. O desenvolvimento da nossa capacidade cientifica e tecnológica durante as ultimas décadas representa hoje uma nova realidade para valorizar Portugal e os Portugueses no mundo.

O projecto colectivo que a ciência simboliza é um contributo inegável da ciência e dos cientistas portugueses para o futuro de Portugal na Europa e é mais um passo indispensável ao reconhecimento nacional e internacional alcançado na área da ciência e tecnologia.

Mas hoje, depois de ultrapassado o défice estrutural do conhecimento que caracterizava Portugal até aos anos 90, mas também após um período particularmente instável e penalizador do desenvolvimento científico nacional durante a recessão económica entre 2010 e 2015, já sabemos bem que o desenvolvimento, a valorização e a internacionalização do sistema científico português, passa pela consolidação e afirmação internacional das nossas instituições científicas, em associação com a formação avançada de recursos humanos. E, nestes termos, o exemplo do envolvimento de um grande numero de jovens, investigadores, docentes e instituições científicas no desenvolvimento da ciência e tecnologia em Portugal, é a clara demonstração da capacidade instalada e da responsabilização dos nossos investigadores em valorizarem o seu passado e reconhecerem os desafios para o futuro.

Gostaria, assim, de reconhecer de forma clara e inequívoca, o trabalho de todos, investigadores, estudantes e técnicos, que juntamente com responsáveis académicos, científicos e políticos, souberam colocar os interesses coletivos à frente de eventuais interesses individuais ou corporativos, para efetivamente promover e estimular o desenvolvimento científico ao melhor nível internacional, e criar em Portugal instituições de referencia europeia.

Sabemos, no entanto, que a intensidade de I&D e o nível de qualificações dos nossos recursos humanos continuam a ser apontados como dois fatores críticos da competitividade da economia portuguesa, que afetam o crescimento potencial do produto. Compete-nos, portanto, continuar a não hesitar em consagrar uma trajetória que garanta a convergência com a Europa e a participação ativa e efetiva na Europa do conhecimento. Esse é o único trajeto possível para Portugal.

Precisamos de mais e melhor Europa e de uma participação activa de todos na construção de uma Europa do Conhecimento, com mais inclusão e mais investimento no conhecimento. A evolução da politica científica na Europa requer ainda considerar formas efetivamente inclusivas de circulação e emprego de recursos humanos qualificados, assim como do desenvolvimento de carreiras cientificas que facilitem melhorar a partilha dos benefícios do investimento em educação e em ciência em toda a Europa. É nosso objetivo reforçar uma Europa mais inclusiva e com menor níveis de diversificação regional, designadamente em termos do investimento em conhecimento.

Mas os novos desafios, as ameaças, as oportunidades estão aí – e não esperam. Urge refletir sobre eles e contribuir para a sua superação. Permitam-me, assim, que identifique dois grandes desafios.

Primeiro, o desafio dos “colectivos”. Garantir a evolução das nossas instituições científicas e de ensino superior no contexto que emerge na Europa e no mundo exige certamente um esforço interno continuado para vencer o individualismo e corporativismo, assim como o irracional de muitos dos incentivos que hoje estimulam, à escala global, esse individualismo na atividade científica e académica. Construir coletivos, facilitadores da cocriação de novo conhecimento, estimulando a criatividade e a produção desses novos conhecimentos, juntamente com a sua difusão, é o desafio que todos agora esperamos das instituições científicas para os próximos anos. A co-localização de atividades de ensino, investigação e inovação é um desafio que urge reforçar no quadro da responsabilização social e científica das nossas instituições. Sabemos ser um passo difícil que temos de conseguir superar, precisando de uma reflexão crítica constante, atraindo os melhores, mas sempre dando primazia à construção do futuro e acreditando na “humildade da nossa ignorância”.

Este desafio insere-se ainda no esforço de contribuir diariamente para continuar a modernizar as nossas instituições à escala europeia, de forma crescentemente diversificada e mudando gradualmente estruturas orgânicas geradas noutras épocas e noutros contextos e revendo mecanismos de formação das decisões antagónicos com os da criação e difusão de conhecimento.

O segundo desafio que penso ser hoje oportuno salientar é o da ligação externa efetiva à sociedade e à sociedade e à economia, designadamente às empresas e à administração pública, ao sistema hospitalar e de saúde, às instituições de cultura e às organizações sociais. Refiro-me à capacidade única que as comunidades científicas e académicas apresentam para fazer face à oportunidade, também ela única, de relacionar o conhecimento com o bem estar e o nosso desenvolvimento social e económico. Refiro-me ainda, em particular, à oportunidade de que todos esperamos para que as instituições científicas e académicas, em estreita colaboração com atores económicos, sociais e culturais, nos consigam ajudar a construir em Portugal projetos-piloto de relevância internacional nesta área, com impacto efetivo na população e na criação de novos empregos, sobretudo de maior valor acrescentado.

A criação responsável de mais e melhor emprego representa hoje, sem qualquer dúvida, uma nova responsabilidade das comunidades e instituições científicas e de ensino superior, que exige um novo esforço coletivo e, sobretudo, dos nossos coletivos institucionais. Não nos podemos limitar a fomentar a capacidade de empreender ao nível individual, mas temos de a conjugar e estender ao esforço adicional de compreender o papel absolutamente crítico das comunidade científicas e académicas no apoio e estímulo à criação de novos e melhores empregos qualificados.

O futuro dos Portugueses, o nosso futuro, entrelaça-se num desígnio comum a todos os povos. Todos tiramos proveito do entusiasmo e dos benefícios da descoberta de novos conhecimentos, quando todos participamos na aprendizagem e na aplicação produtiva desses conhecimentos.

Importa persistir num esforço contínuo de apoio à atividade científica, às suas instituições, aos mecanismos de relacionamento e proximidade com a sociedade.
Compete-nos criar e construir a confiança necessária para o crescimento das futuras gerações e isso requer, sempre, refletir sobre o passado e identificar todos aqueles que nos têm sabido ajudar a construir o futuro.

Lisboa, fevereiro de 2020
Manuel Heitor
Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior